segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A cidade dos evangélicos



No município de Abreu e Lima na Região Metropolitana do Recife, mais de 31% da população segue alguma das denominações dessa religião.A recepção festiva de Vandeílton Souza ou Vando Benção, como é mais conhecido, 39 anos, explica, em parte, porque a Assembleia de Deus, em Abreu e Lima, município da Região Metrolitana a 20 quilômetros do Recife, congrega tantos fiéis. Após uma rápida oração, Vando, o presbítero que costuma pregar nas praças e comunidades, nos apresenta um templo majestoso, com dezenas de mulheres sentadas ou ajoelhadas diante dos bancos. São 11h. Uma quinta-feira. Mas todas oram ou choram, algumas em voz alta. Mas ninguém parece se incomodar. Elas não se preocupam nem mesmo quando uma senhora entra gritando aleluia entre outras palavras inaudíveis. É sinal de alegria, consideram. A imponência de um lugar que abriga 2,5 mil pessoas sentadas e outras tantas em pé tem razão de ser: em Abreu e Lima, 31,09% da população segue alguma das denominações evangélicas existentes.
Na "Capital dos evangélicos" em Pernambuco, os nomes bíblicos tomam conta dos pontos comerciais, assim como as roupas compostas e sociais vestem seus moradores. Eudes Pereira, 42, é de uma família tradicional de evangélicos do município. A história do clã se confunde com a da própria expansão da religião em Abreu e Lima.
Na década de 40, o avô materno dele já era evangélico. Teve cinco filhos, um deles a mãe de Eudes, que teve mais nove filhos e 13 netos. Hoje, apenas um desses filhos e um neto não seguem a religião, mas até as cunhadas e cunhados são evangélicos. "Naquela época meu avô trabalhava na Fábrica de Tecidos Paulista, da família Lundgren. Como eram poderosos e católicos, não permitiam os cultos no município. Daí as pessoas começaram a ir para Abreu e Lima, que é vizinho a Paulista", explica.A tese é confirmada pelo bispo e cientista político Robinson Cavalcanti. Segundo ele, os Lundgren eram protestantes na Europa e ao chegarem ao Brasil tomaram conhecimento de que a Igreja Católica Romana era a religião das elites. "Por isso se converteram ao catolicismo e construíram um templo de arquitetura luterana, em Paulista, onde reinavam com sua indústria de fiação e tecelagem e praticamente proibiam templos protestantes em seu território", destaca.
Outra explicação de Cavalcanti para o crescimento da fé evangélica em Abreu e Lima é o fato do deputado Torres Galvão, que também era líder do Sindicato de Fiação e Tecelagem e membro da Assembléia de Deus, ter sido governador interino de Pernambuco entre a morte de Agamenom Magalhães e a eleição de Etelvino Lins.
Respeito mútuo - Os seguidores das várias doutrinas evangélicas encontradas em Abreu e Lima convivem pacificamente, apesar de algumas serem consideradas mais flexíveis e menos conservadoras que outras. A prova disso é que bairros pobres e conhecidos pela violência, como o do Fosfato, abrigam diversos templos de denominações diferentes. Em comum, todos têm uma forte crença em Deus e na resolução dos próprios problemas. "A pregação dos evangélicos vai diretamente ao indivíduo, pois diz: 'você pecador, está salvo'. Esse contato pessoal a Igreja Católica perdeu no Brasil e no mundo e isso explica a expansão dos evangélicos", explica Biu Vicente, professor doutor do Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco.
No comércio, nomes bíblicos
O nome Monte Sinai é visto estampado em letras garrafais no espelho e na frente da ótica. É um indicativo de que por ali está mais uma família evangélica de Abreu e Lima. Há 28 anos, Elias Chagas, 51, comanda o comércio junto com a mulher e dois filhos. Como já nasceu dentro dos ensinamentos da Assembleia de Deus, não teve dúvidas na hora de colocar o nome no próprio negócio. O monte é o local onde, segundo a Bíblia, há 3.300 anos um povo recém-saído da escravidão ficou de pé para ouvir a voz de Deus proclamando os Dez Mandamentos.
Maranata e Gênesis são os nomes de outras placas que dão o nome às lojas do comércio de Abreu e Lima, principal base da economia do município e que recebe, inclusive, os moradores do entorno, como Goiana, Itamaracá, Igarassu e Itapissuma.Para Elias Chagas, o grande número de evangélicos em Abreu e Lima deixa a cidade mais tranquila. "Se não fosse a religião, o lugar estaria muito mais violento", comentou, lembrando que um dia o município já foi conhecido como rota de exploração sexual de crianças e adolescentes. "Há 24 anos, aqui tinha mais de 170 cabarés que depois de uma ação da prefeitura e das igrejas evangélicas foram sendo fechados", lembrou. A filha dele, Ellydyana Chagas, 20, integra a igreja desde criança e representa a nova geração de evangélicos. De cabelos pintados, faz faculdade de moda e já prepara as roupas do grupo de louvor do templo que frequenta.
Conheça o município Abreu e Lima é município há apenas 27 anos. Antes disso, pertenceu administrativamente a Igarassu por 400 anos e depois ainda passou 47 anos subordinado a Paulista. Foi lá que Vasco Fernandes de Lucena, depois de receber terras do donatário Duarte Coelho, instalou em 1548, um engenho de açúcar, chamado Jaguaribe, que acabou dando origem ao município. Séculos depois, na povoação de Maricota, nome de uma senhora que foi dona de uma pousada para tropeiros, aconteceu a primeira batalha da Revolução Praieira, movimento anunciado em Olinda em 7 de novembro de 1848. Por isso o lugar ficou conhecido como Berço da Revolução Praieira. O nome atual do município foi adotado em 1948, em uma homenagem ao militar e político José Inácio de Abreu e Lima, um dos heróis da Revolução Praieira (1848) e que também lutou ao lado de Simon Bolívar pela libertação da Venezuela. Quem nasce em Abreu e Lima é abreu-limense.
Diário de Pernambuco/NC

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