quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Ministério Público pede retirada de símbolos religiosos de órgãos públicos em SP

Ministério Público Federal de São Paulo pede à Justiça a retirada de crucifixos e bíblias de repartições públicas federais. O argumento é o de que os objetos ferem a liberdade de crença e não respeitam o princípio do Estado laico; medida divide igrejas cristãs.
Reprovada pela Igreja Católica, a ação do Ministério Público Federal de São Paulo pedindo a retirada de símbolos religiosos de repartições públicas federais no Estado encontra defensores entre evangélicos e igrejas cristãs históricas.No final de julho, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo ajuizou ação civil pública pedindo à Justiça que obrigue a União a retirar símbolos religiosos, como crucifixos e bíblias, de áreas públicas de órgãos federais. O argumento é o de que os objetos ofendem a liberdade de crença e sua permanência fere o princípio do Estado laico.A decisão caberá à juíza Maria Lúcia Lencastre, da 3ª Vara Federal, que irá ouvir a União antes de tomar uma decisão. A ação da Procuradoria teve origem com uma representação do grupo Brasil para Todos, que defende a laicidade do Estado e a impessoalidade da administração pública. O arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, viu a decisão com estranheza. "Ter um Estado laico não significa passar por cima da cultura de um povo", afirma. Segundo ele, a existência de crucifixos e bíblias faz parte da tradição cultural brasileira. "Uma posição como essa não vem defender o interesse da maioria dos cidadãos", afirmou.Entre grupos religiosos, a retirada dos símbolos, apesar de considerada polêmica, encontra defensores.Coordenador da bancada evangélica no Congresso, o deputado pastor Pedro Ribeiro (PMDB-CE) diz que a bancada está de acordo com a iniciativa. "A retirada desses símbolos a princípio choca muitos evangélicos. Mas a bíblia não é o instrumento religioso de todos."O secretário-geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, Luiz Alberto Barbosa, diz que não há consenso entre as chamadas igrejas cristãs históricas sobre a defesa ou não da permanência de símbolos religiosos em locais públicos governamentais.Ele ressalta que, quase na totalidade, as figuras são referentes apenas à Igreja Católica Romana. Como exemplo, ele cita o crucifixo em que há o corpo de Cristo como símbolo católico, enquanto igrejas cristãs históricas utilizariam a cruz vazia."Nós entendemos que, do ponto de vista legal, o Ministério Público está querendo implantar apenas o que a Constituição consagra, que é a separação igreja e Estado."Coordenadora do grupo Católicas pelo Direito de Decidir, Maria José Rosado apoia a ação. "Embora haja uma predominância da cultura católica e do poder institucional da Igreja Católica no Brasil, cada dia mais a sociedade é plural."Segundo ela, na medida em que se mantêm símbolos religiosos em lugares públicos de representação do Estado, há privilégio de uma determinada religião. "É um respeito a um país que se torna cada dia mais plural em termos religiosos."O presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, Walter Altmann, não concorda com uma decisão de "cima para baixo". Ele é a favor de audiências públicas para discussão do tema. "A retirada [de cruzes e bíblias] fere o sentimento daquele para quem o símbolo é relevante", diz ele. França detém vanguarda da laicidade A discussão sobre os símbolos religiosos em espaços públicos chega ao Brasil com mais de um século de atraso. A França, que não por acaso inventou o conceito de laicidade, representa a vanguarda da iconoclastia. Lá os crucifixos foram retirados dos tribunais e dos colégios nos anos 1880. Na mesma década, o ensino religioso foi suprimido das escolas públicas, e magistrados e militares foram proibidos por lei de participar em caráter oficial de festas católicas.A apoteose do movimento, porém, veio em 1905, com a edição da Lei da Laicidade, que rompe unilateralmente a concordata entre Paris e o Vaticano, confisca bens da igreja e suspende todas as subvenções que eram concedidas a ministros e cultos. Esta última medida poupou aos cofres públicos 35 milhões de francos anuais.O papa Pio 10º (1903-1914), é claro, não gostou e, em 1906, baixa a encíclica "Vehementer nos", na qual denuncia o diploma francês e qualifica a separação entre Estado e igreja como "tese absolutamente falsa", "erro perniciosíssimo" e "em alto grau injurioso para com Deus".Mais recentemente, os franceses voltaram à carga antirreligiosa, mas o alvo deixou de ser a Igreja Católica e passou a ser o islamismo. Em 2004, o Parlamento emendou a Lei da Laicidade para proibir alunos de escolas públicas de usar ícones religiosos ostensivos como os "hujub" (véus muçulmanos). O presidente Nicolas Sarkozy pede agora a proscrição da burca, o traje inteiramente fechado usado por algumas poucas mulheres islâmicas. Nos EUA, embora a laicidade também esteja na Constituição, o anticlericalismo nunca esteve na ordem do dia. Pelo contrário, os EUA são, de longe, a nação mais religiosa do mundo desenvolvido.Instada a manifestar-se sobre símbolos religiosos em tribunais, uma Suprema Corte, dividida, resolveu sair pela tangente. Em 2005, tomou uma decisão ambígua, na qual permitiu a um tribunal manter um monumento com os Dez Mandamentos, mas proibiu duas outras cortes de fazer o mesmo. A diferença apontada pelos juízes era o contexto. No primeiro tribunal o monumento estava ao lado de outras obras. Nos demais, os Dez Mandamentos apareciam isoladamente, no que foi interpretado como uma violação ao princípio da laicidade do Estado.
Fonte: Folha de São Paulo

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